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Uma doença chamada preconceito: Raio X do acesso que o LGBT tem à saúde pública

 

Na teoria, saúde para todos. Mas na prática a população  LGBT  tem seus direitos negados muitas vezes por causa das barreiras do preconceito.

Por Luisa von Padilla e Brenda Pereira

 

"Todo ser humano fica doente e isso é normal. Eu morro de medo de sofrer um acidente, quebrar uma perna, um braço ou ter que fazer uma cirurgia e ter os meus direitos violados”, desabafa Alice Alves. Mesmo com a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), a população LGBT é discriminada e privada de seus direitos por sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Luan Felipe Santos, integrante do Coletivo Liberdade conta que hoje, “se alguém trans é internado, não pode escolher o quarto conforme sua idenditade de gênero. Ele trans ou ela trans vai de acordo com o sexo biológico num outro quarto. A pessoa enferma acaba sendo duplamente prejudicada. Primeiramente pela enfermidade dela e outra pela transfobia”, diz.

Em dezembro de 2011, a portaria nº 2.836 instituiu no âmbito do SUS, a Política Nacional de Saúde Integral LGBT. O objetivo da portaria, conforme o art. 1º é “promover a saúde integral da população LGBT, eliminando a discriminação e o preconceito institucional e contribuindo para a redução das desigualdades e para consolidação do SUS como sistema universal, integral e equitativo”.

A diretora de ações em saúde da prefeitura de Blumenau Andréa Silva conta que para atender a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, em Blumenau “são desenvolvidas estratégias de saúde desta população, por meio da articulação com os órgãos corresponsáveis”. Andréa ainda diz que são feitas reuniões com participantes do movimento social LGBT, visando ao levantamento de demandas e qualificação dos serviços, ação que segue a Política de Saúde Integral LGBT, a qual afirma no inciso VIII do art.6º que compete ao município “apoiar a participação social de movimentos sociais organizados da população LGBT nos Conselhos Municipais de Saúde, nas Conferências de Saúde e em todos os processos participativos”.

“A gente teve uma reunião com o Núcleo de Saúde de Blumenau. Eles convidaram o coletivo porque queriam fazer um levantamento das demandas do coletivo para com a saúde pública”, confirma Luan. Mas parece que funciona na teoria. A ginecologista Fernanda Vaz fez o curso de Política de Saúde LGBT oferecido pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UNA-SUS/UERJ).  “Uma questão que eu refleti após o curso foi sobre a internação hospitalar de pessoas trans. Não há uma discussão, protocolo ou normativa se a internação seria em quartos do gênero biológico ou respeitaria-se o processo transexualizador” coloca Fernanda.

Alice Alves relata o medo de ter que ir ao hospital: “se hoje eu sofresse um acidente, eu ia ficar num quarto junto com homens. Todo mundo sabe que na rede pública não tem esses aparatos onde as pessoas que tem possibilidade de pagar podem escolher um quarto isolado. Na rede pública não. Ali tu tá dividindo um quarto, fica a mostra os seios, a bunda e isso é uma violação”.

“Quem pode pagar um quarto particular, o que não é a realidade de todo mundo - principalmente do público trans, então tem que ser colocado no quarto do sexo biológico, o que não condiz com a identidade de gênero da pessoa”, enfatiza Luan.

As barreiras do preconceito

Ainda no art.2º, os incisos XV e XIX visam promover o respeito à população LGBT, bem como atuar na eliminação do preconceito contra este público nos serviços de saúde.

A diretora de ações comenta que “estão programados momentos de capacitação aos profissionais de saúde com o objetivo de manter a qualificação no atendimento, considerando a Política Nacional de Saúde Integral da População LGBT e as Políticas de Saúde, garantindo a integralidade da atenção e promover o enfrentamento do preconceito e da discriminação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis  transexuais nos serviços de saúde”.

Fernanda conta que não há capacitações para os profissionais “Apenas panfletos são colados nas paredes dos postos de saúde indicando que devemos respeitar o nome social”, revela a médica. E acrescenta que “a capacitação e a desconstrução dos preconceitos deve ser realizado com todos os profissionais que trabalham no ambiente: médicos, nutricionistas, recepcionistas, higienização...”

E esta é uma preocupação da Política Nacional de Saúde Integral LGBT. “Os desafios na reestruturação de serviços, rotinas e procedimentos na rede do SUS são relativamente fáceis de serem superados. Mais difícil, entretanto, será a superação do preconceito e da discriminação que requer, de cada um e do coletivo, mudanças de valores baseadas no respeito às diferenças”. Luan conta que quando foi ao médico escolheu um que sabia que era inclusivo porque não queria ter que esconder nada. “O que a gente mais ouve é gente que nem tem coragem de ir pela certeza de ter o preconceito garantido porque sabe que não tem preparo da rede. Principalmente com a sigla T”, comenta.

“Sempre em qualquer ação básica de um ser humano em sociedade, para as pessoas trans se torna um martírio, um campo de concentração. E no médico, na área da saúde não podia ser diferente. Infelizmente isso é uma realidade ainda que todas as pessoas trans passam. Há exceções de médicos, de pessoas que tem empatia, são acolhedoras, capazes de fornecer um ambiente agradável e acolhedor para que a gente se sinta a vontade como qualquer pessoa tem direito na constituição universal”, diz Alice.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo VI diz que ” todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei”. E  o inciso 1 do artigo XXI coloca que “Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público de seu país.”

“As pessoas costumam ter medo do que é diferente delas e assim a população LGBT acaba ficando a margem da sociedade. Acho importante sempre frisar que somos todos, sem exceção, únicos nas suas vivências, opções, preferências, ações e que o respeito mútuo e o caminho para balizar essas diferenças é incluir esses indivíduos em todas as esferas sociais como seres humanos ativos e produtivos para o bem comum”, coloca a ginecologista Fernanda.

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