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Conseguir registro e respeito pelo nome social é uma das principais exigências da população LGBT

Não é só a mudança física que constrói o gênero

Por Isabella Kucher, Maria Júlia Spengler e Renata Westphal

 

Aquilo que Pedro via no espelho não correspondia com o que ele sentia que era. Pedro é Mariana. Pedro sempre foi Mariana. Pedro tem os cabelos compridos de Mariana, Pedro tem o corpo feminino de Mariana. Ele é e se parece com Mariana. Mas na carteira de identidade, na carteirinha do SUS e na universidade, Mariana ainda é Pedro.

Algumas pessoas não sentem compatibilidade com seu sexo biológico e o sexo com o qual se identificam. “Muitos procedimentos corporais na transexualidade são pedidos de reconhecimento social, ou seja, agora com esse corpo modificado conforme os padrões culturais do que é um homem ou uma mulher, a sociedade deve me tratar com respeito e me reconhecer como uma mulher”, explica o psicólogo Gustavo Angeli.

A incompatibilidade entre a imagem corporal representada pelo gênero com o qual a pessoa se identifica e o nome que ela traz em seus documentos também causa sérios constrangimentos e embaraços aos transgêneros. “Imagina um transexual e seu medo de dirigir, se parado em uma blitz, imagina o tempo para explicar que Mariana é Mariana, porém, nasceu Pedro, e aquele ainda é seu único documento de identificação”, exemplifica Angeli.

Nas escolas, uma das medidas mais recentes tomadas nacionalmente foi publicada no Diário Oficial da União em 12 de março de 2015, prevê que os estudantes de todo o país podem usar o banheiro ou vestiário de acordo com sua identidade de gênero. Os estudantes também podem exigir serem tratados pelo seu nome social nas chamadas, avaliações e matrícula. Além disso, o uniforme também pode ser usado conforme a preferência do aluno, caso haja distinção entre os uniformes masculinos e femininos. Porém, não constam medidas punitivas para as instituições de ensino que se recusarem a respeitar a determinação.

A medida tomada pela União é um avanço, mas não soluciona tudo. “Ainda é uma primeira de muitas iniciativas que devem ser tomadas. Sugiro que ao invés de medida punitiva, poderia ter uma interrogação sobre os próximos passos que a escola poderia realizar, ou seja, quais são as próximas iniciativas que as instituições escolares deverão executar para acolher a diversidade sexual?”, reflete o psicólogo.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a principal causa de evasão escolar por parte da população travesti e transexual é o uso do nome civil no lugar do nome social, pelo constrangimento que isso traz ao aluno. A presidente da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (RedeTrans), Tatiana Araújo, relata que 82% das transexuais e travestis abandonam os estudos entre os 14 e 18 anos pela discriminação na escola. Por isso, o nome social é uma maneira de garantir respeito e incentivar a escolarização de pessoas transexuais.

No Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) o uso do nome social também pode ser solicitado. Segundo o Inep, no ano de 2015, somente 95 transexuais e transgêneros inscreveram-se para o Enem fazendo a utilização do nome social. No Sistema Único de Saúde (SUS) a identificação pelo nome social dos usuários no cartão SUS é um direito assegurado desde 2009, pela carta de Direito dos Usuários do SUS, na Portaria 1.820 de 13 de agosto de 2009. O usuário do sistema tem o direito de ser identificado e atendido na unidades de saúde pelo nome de sua preferência independendo de registro civil ou decisão judicial, com o objetivo de evitar constrangimento para o usuário e também promover maior acesso à saúde pública. “Realmente faz um bom tempo que o SUS garantiu o uso do nome social, porém, muitos profissionais da saúde desconhecem ou ignoram essa diretriz, chamam os pacientes com o nome da carteira de identidade. Um desrespeito às próprias diretrizes da saúde e uma violência contra o paciente” pondera Gustavo Angeli.

Em vídeo, a professora doutora da Universidade Regional de Blumenau, Helen a Maria Zanetti de Azevedo Orselli explica como funciona a legislação e o processo para tornar nome social, nome civil.

Não é só a mudança física que constrói o gênero. A mudança de nome também é necessária para dar autoestima, confiança e qualidade de vida aos transexuais. No Brasil é onde mais travestis e transexuais são assassinadas no mundo e ainda não existem políticas públicas em grande escala voltadas para essas pessoas. Conseguir registro e respeito pelo nome social, nome escolhido pela pessoa para se representar, é uma das principais exigências da população LGBT.

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